Heresia antes do Vaticano II

Para que se possa compreender totalmente a controvérsia do Padre Feeney é necessário entender que a negação da fé que estava a ser combatida pelo Padre Feeney estava bem firmada nos anos que precederam o Vaticano II. A maioria das pessoas que se consideram «católicas tradicionais» têm a falsa impressão de que «se ao menos pudéssemos retornar ao que as pessoas criam na década de 50, tudo ficaria bem». Não, não ficaria. A maioria dos padres e bispos em atividade nas décadas de 40 e 50 já tinham perdido a Fé e rejeitado completamente o dogma solenemente definido de que não há salvação fora da Igreja Católica. É simplesmente um facto que estava a ser ensinada heresia contra o dogma Fora da Igreja Não Há Salvação na maioria dos seminários durante as décadas de 40 e 50. De facto, a degradação da Fé iniciou-se muito antes da década de 40 ou da de 50.

Nossa Senhora de La Sallete, França, 19 de Setembro de 1846: «No ano de 1864, Lúcifer e um grande número de demónios serão soltos do inferno. Eles abolirão a fé pouco a pouco, até nas pessoas consagradas a Deus. Eles cegar-lhes-ão de tal maneira que, salvo uma graça particular, irão adquirir o espírito desses anjos maus. Várias casas religiosas perderão inteiramente a fé e perderão muitas almas… Roma perderá a fé e se tornará sede do Anticristo… A Igreja será eclipsada…»

Como disse anteriormente neste documento, Santo António Maria Claret, o único santo canonizado no Primeiro Concílio do Vaticano, sofreu um derrame cerebral por causa das falsas doutrinas que estavam a ser propostas mesmo naquela altura, as quais nunca foram incluídas no concílio. O desmantelamento passo-a-passo da fé católica empreendido por Lúcifer teve início não em 1964, mas em 1864, muito antes do Vaticano II. Vejamos alguns exemplos de heresia descarada em livros pré-Vaticano II com Imprimatur (isto é, aprovação de um bispo).

1.Enciclopédia Católica, Vol. 3, «Igreja», 1908, G. H. Joyce: «A doutrina resumida pela frase Extra Ecclesiam nulla salus (Fora da Igreja não há salvação)… certamente não significa que ninguém pode ser salvo senão os que estão em comunhão visível com a Igreja Católica. A Igreja Católica sempre ensinou que nada mais é necessário para se obter justificação do que um acto de caridade perfeita e de contrição… Muitos são mantidos fora da Igreja por ignorância. Tal pode ser o caso de muitos entre aqueles que cresceram em heresia… Portanto, mesmo no caso em que Deus salva homens para além da Igreja, Ele o faz através das graças actuais da Igreja… Na expressão dos teólogos, eles pertencem à alma da Igreja, apesar de não pertencerem ao seu corpo.»1

O que temos aqui, na Enciclopédia Católica, no ano de 1908, num livro com Imprimatur de John Farley, o Arcebispo de Nova Iorque, é heresia descarada. O autor, G. H. Joyce, rejeita completamente o dogma tal como fora definido. Ele chega até a empregar a «Heresia da Alma da Igreja» que é completamente herética (tal como demonstrei na secção «A Heresia da Alma da Igreja»). O dogma definido que declara que somente os que estão na Igreja Católica podem ser salvos foi substituído pela heresia de que Deus salva homens «para além da Igreja».

Papa Leão XIII, Tametsi futura prospicientibus, n.º7, 1 de Novembro de 1900: «Daí que todos os que queiram encontrar a salvação fora da Igreja estão descarrilhados e se esforçam em vão.»2

No entanto, para estes hereges, o dogma já não significa que fora da Igreja não há salvação, mas que não-católicos são salvos nas suas falsas religiões pela Igreja Católica. A necessidade da fé católica e da unidade para a salvação foi totalmente repudiada.

Papa Gregório XVI, Summo iugiter studio, n.º2, 27 de Maio de 1832: «Finalmente, algumas dessas pessoas desviadas tentam persuadir a si mesmas e a outros que os homens não são salvos somente na religião católica, mas que mesmo hereges podem alcançar a vida eterna… Vós sabeis o quão zelosos foram os Nossos predecessores em ensinar aquele artigo de fé que estes ousam negar, nomeadamente a necessidade da fé católica e de unidade para a salvação.»3

E isto prova que o dogma de que aqueles que morrem como não-católicos não podem ser salvos estava a ser negado já em 1908.

2.A minha Fé Católica, um Catecismo, por Bispo Louis LaRavoire, 1949: «A Santa Missa pode ser oferecida para os vivos de qualquer credo. Pode ser oferecida para católicos falecidos. O padre não pode oferecer Missa publicamente para não-católicos falecidos, mas as pessoas que estão a ouvir Missa podem fazê-lo.»4

Encontramos aqui mais heresia clara num catecismo escrito pelo Bispo de Krishnager, Louis LaRavoire. Este catecismo ainda é promovido hoje em dia por muitos ditos «católicos tradicionalistas». Ao permitir orações para os falecidos não-católicos, Louis LaRavoire nega o dogma de que todos os que terminam a vida como não-católicos perdem-se.

Papa Clemente VI, Super quibusdam, 20 de Setembro de 1351:

«Em segundo lugar, perguntamos se tu e os arménios que te obedecem crêem que nenhum homem que ambule fora da fé desta Igreja, e da obediência dos Romanos Pontífices, poderá finalmente salvar-se.»5

3.Catecismo de Baltimore, n.º3, Imprimatur do Arcebispo Hayes de Nova Iorque: «Q. 510. É de algum modo possível que se salve uma pessoa que não saiba que a Igreja Católica é a verdadeira Igreja? R. É possível que se salve uma pessoa que não saiba que a Igreja Católica é a verdadeira Igreja, desde que a pessoa (1) tenha sido validamente baptizada; (2) creia firmemente que a religião que professa e pratica seja a verdadeira religião, e (3) morra sem a culpa do pecado mortal em sua alma.»

Aqui encontramos heresia descarada no Catecismo de Baltimore, o qual recebeu imprimatur e foi publicado em 1921. Os autores deste catecismo herético são de tal modo audazes que chegam a asseverar que a salvação de um não-católico é não somente possível, mas dependente de o não-católico crer «firmemente que a religião que professa e pratica seja a verdadeira religião». Então, se estais firmemente convencidos de que o mormonismo é a verdadeira religião, então tendes grandes chances de vos salvar, segundo o Catecismo de Baltimore; mas se não estais firmemente convencidos disto, então as suas chances são menores. Isto faz um absoluto escárnio do dogma: um Senhor, uma Fé, um Baptismo (Ef. 4:5).

Papa Gregório XVI, Mirari Vos, nº13, 15 de Agosto de 1832: «Admoesta-nos o Apóstolo que há um só Deus, uma só fé e um só batismo (Ef. 4:5); que temam pois aqueles que pensam que o porto da salvação está aberto a pessoas de quaisquer religiões. Deveriam de considerar a sentença do próprio Jesus Cristo, que eles estão contra Cristo, já que não estão com Cristo (Lc. 11:23), e os que não colhem com Cristo dispersam miseramente, pelo que perecerão infalivelmente os que não tiverem a fé católica e não a guardarem íntegra e sem mancha (Credo Atanasiano).»6

As palavras de Gregório XVI em Mirari Vos poderiam ser escritas especificamente para os autores do Catecismo de Baltimore; e de facto foram dirigidas a outros hereges da sua época que propunham a mesma coisa. Repare no quanto se afastou o Catecismo de Baltimore do dogmático Credo Atanasiano, afirmado pelo para Gregório XVI, que enuncia que os que querem salvar-se têm de possuir a fé católica. Os autores do Catecismo de Baltimore não poderiam, na sua fértil imaginação, fingir que crêem nessa profissão de fé dogmática.

O leitor deve também notar que o Papa Gregório XVI ensina que perdem-se aqueles que nunca foram católicos, assim como os católicos que abandonam a Igreja.

O Catecismo de Baltimore rejeita as palavras de Jesus Cristo, o qual declara que «o que porém, não crer, será condenado» (Mc. 16:16). Na edição das Escrituras revista pelos autores do Catecismo de Baltimore ter-se-ia que ler: «aquele que crê firmemente em falsas religiões não será condenado».

4. Dr. Ludwig Ott, Manual de Teologia Dogmática, Imprimatur, 1954, pág. 310: «A necessidade de pertença à Igreja não é meramente uma necessidade de preceito, mas também de meios, como demonstra claramente a comparação com a Arca de Noé, o meio de salvação do dilúvio bíblico… Em circunstâncias especiais, nomeadamente, em caso de ignorância invencível ou de incapacidade, a filiação de facto à Igreja pode ser substituída pelo desejo da mesma… Deste modo, também aqueles que estão na realidade fora da Igreja Católica podem alcançar a salvação.»7

É uma lástima que a Igreja Católica tenha sido estúpida ao ponto de definir mais de sete vezes que fora da Igreja Católica ninguém mesmo se salva, pois (como revela o «grande» Ludwig Ott) «aqueles que estão na realidade fora da Igreja Católica podem alcançar a salvação». É uma vergonha que a Igreja não tenha possuído esta profunda iluminação; que não soubesse que o que tinha estado a ensinar «infalivelmente» durante todos esses anos era na realidade precisamente o oposto da verdade.

Na verdade, o que Ludwig Ott diz acima é equivalente a declarar que a Santa Virgem Maria foi concebida em Pecado Original. Não há qualquer diferença. Se a Igreja define que fora da Igreja ninguém mesmo é salvo (Papa Inocêncio III, etc.), e eu assevero que «aqueles que estão na realidade fora da Igreja Católica podem alcançar a salvação», então o que estou a fazer é exactamente como se estivesse a declarar que a Virgem Maria foi concebida em algum pecado, ao passo que a Igreja disse que ela não tinha qualquer pecado. Eu estaria a declarar exactamente o oposto do que a Igreja definira infalivelmente, e isto é precisamente o que Ludwig Ott faz.

Mas pouco depois de negar explicitamente o dogma de que ninguém pode salvar-se fora da Igreja, repare no que Ludwig Ott diz:

Ludwig Ott, Manual de Teologia Católica, pág. 311: «É a convicção unânime dos Padres que a salvação não pode ser alcançada fora da Igreja.»8

«Seja o vosso falar: Sim sim; não não. Tudo o que disto passa, procede do Maligno» (Mt. 5:37). Duma página para a outra Ludwig Ott contradiz a si mesmo sobre se os que estão fora da Igreja podem ou não alcançar a salvação! Ele até usa o mesmo verbo ― «alcançar» ― em ambas as sentenças, mas com sentido oposto duma para a outra: 1) os que estão «fora da Igreja podem alcançar a salvação»; 2) «salvação não pode ser alcançada fora da Igreja». O falar dele não é de Deus, mas do Maligno. Preto é branco e branco é preto; bom é mal e mal é bom; verdade é erro e erro é verdade; salvação pode ser alcançada fora da Igreja e salvação não pode ser alcançada fora da Igreja.

Para os hereges pré-Vaticano II que condenaram o Padre Feeney e desprezaram o dogma Fora da Igreja Não Há Salvação, não há problema algum em crer que há salvação fora da Igreja Católica, enquanto se crê simultaneamente que há não há salvação fora da Igreja Católica. Não há problema para essas pessoas porque elas são malignas (Mt. 5:37).

Papa Clemente V, Concílio de Viena, Decreto n.º30, 1311-1312, ex cathedra: «… uma Igreja universal, fora da qual não há salvação, e há para todos esses um só Senhor, uma fé, um baptismo…»9

Aqueles que aceitam obstinadamente a heresia contida nestes livros pré-Vaticano II ― tal como o Manual de Teologia Católica de Ludwig Ott ― devem com certeza temer, como diz o Papa Gregório XVI, pois sem dúvida herdarão um lugar no Inferno caso não se arrependam e convertam.

5. O Catecismo Explicado, Rev. Spirago e Rev. Clark, 1898: «Se, no entanto, um homem, sem culpa própria, mantém-se fora da Igreja, ele pode ser salvo se levar uma vida temente a Deus; pois tal pessoa é para todos os efeitos um membro da Igreja Católica.»10

Segundo isto, não só é possível ser salvo fora da Igreja (que é uma negação directa do dogma), mas é na verdade possível ser, «para todos os efeitos», um membro da Igreja Católica, enquanto se está fora d’Ela! Isto é tão herético e contraditório que não merece qualquer comentário adicional senão dizer que o que O Catecismo Explicado propõe aqui ― que um homem pode ser salvo fora da Igreja desde que leve uma vida «temente a Deus» ― é exactamente o que o Papa Gregório XVI condenou em Mirari Vos: que um homem pode ser salvo em qualquer religião que seja, desde que a moralidade seja mantida.

Papa Gregório XVI, Mirari Vos, nº13, 15 de Agosto de 1832: «Esta opinião perversa é difundida em todos os lados pela fraude dos malvados que alegam ser possível obter a salvação eterna da alma mediante profissão de qualquer religião, desde que a moralidade sejam mantida… pelo que perecerão infalivelmente os que não tiverem a fé católica e não a guardarem íntegra e sem mancha (Credo Atanasiano).»11

Eu poderia continuar com exemplos de textos pré-Vaticano II dotados de imprimatur que contêm heresia, mas o ponto deve ser óbvio: a negação do dogma Fora da Igreja Não Há Salvação estava bem consolidada na mente da maioria dos padres e bispos antes do Vaticano II, portanto a oposição enfrentada pelo Padre Feeney ao defender esta verdade nos finais da década de 40 e na década de 50 não é surpresa alguma. A Grande Apostasia estava bem estabelecida nas décadas de 40 e 50, tendo na verdade começado em meados do século XIX; e o Padre Feeney estava a tentar suprimir esta onda de apostasia ao cortá-la pela sua causa fundamental: a negação da necessidade da Igreja Católica para a salvação.

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Notas finais:

1 The Catholic Encyclopedia, Vol. 3, 1908, Robert Appleton Company, «Church,» pp. 752-753.

2 The Papal Encyclicals, por Claudia Carlen, Raleigh: The Pierian Press, 1990, Vol. 2 (1878-1903), pág. 474.

3 The Papal Encyclicals, Vol. 1 (1740-1878), pág. 229.

4 My Catholic Faith, a Catechism by Bishop Louis LaRavoire, Kenosha, WI: My Mission House, 1949, pág. 272.

5 Denzinger, The Sources of Catholic Dogma, B. HerderBook. Co., Trigésima Edição, 1957, n.º 570b.

6 The Papal Encyclicals, Vol. 1 (1740-1878), pp. 237-238.

7 Dr. Ludwig Ott, Fundamentals of Catholic Dogma, St. Louis, MO: B. Herder Book, Co., 1954, pág. 310.

8 Dr. Ludwig Ott, Fundamentals of Catholic Dogma, pp. 310-311.

9 Decrees of the Ecumenical Councils, Sheed & Ward and Georgetown University Press, 1990, Vol. 1, pág. 386.

10 Rev. Spirago and Rev. Clark, The Catechism Explained, Rockford: IL, Tan Books, pág. 246.

11 The Papal Encyclicals, Vol. 1 (1740-1878), pp. 237-238.